“A gente quer ver pessoas com deficiência além da cota”

Eliane Souza, coordenadora do comitê Sem Barreiras do Pólen, explica como o grupo trabalha para aumentar a conscientização sobre o tema e a inclusão

Foi só aos 18 anos que Eliane Souza descobriu ter uma deficiência: baixa visão nos dois olhos. “Vivi toda a minha fase escolar sem qualquer tipo de acessibilidade porque só descobri isso quando fui fazer o exame médico para tirar a habilitação. Eu me adaptei aos equipamentos que todo mundo usa”, diz. 

Hoje, aos 28, Eliane trabalha na área de cadastro do iFood Shop e fala abertamente sobre o assunto na empresa. Ela coordena, de forma voluntária, o Sem Barreiras, grupo de discussão de pessoas com deficiência no iFood e um dos cinco comitês do Pólen —que trata também de temas relacionados a mulheres, pessoas negras e LGBTQIAP+ e ao movimento corpo livre. 

Mas nem todo mundo tem a mesma facilidade de se abrir sobre ser uma pessoa com deficiência. Esse é um dos desafios que o Sem Barreiras trabalha para superar. Outro é como dialogar com quem não vive essa realidade e ampliar a conscientização e as ações de diversidade para ir além das cotas definidas por lei. Em entrevista ao iFood News, Eliane conta mais sobre o comitê e como a educação é essencial para atingir esses objetivos.

iFN – Como foi formado o comitê Sem Barreiras?

Eliane – O Sem Barreiras é uma das vertentes do Pólen, criado em 2018. Ele é formado por 98 FoodLovers [colaboradores do iFood], pessoas com e sem deficiência que se interessam pelo assunto. Temos um canal no Slack [aplicativo de troca de mensagens] para compartilhamento de informações, experiências e dificuldades do dia a dia. 

Vemos um pouco de resistência das pessoas interagirem nos canais porque nem todo mundo aceita a sua deficiência ou quer falar sobre isso. Tanto que não sabemos exatamente quantas são as PCDs [pessoas com deficiência] no iFood nem quais são as deficiências. Sabemos de casos de baixa visão, como o meu, e de pessoas com  deficiência visual, auditiva, física e com autismo. 

Em abril, criamos outro canal no Slack para falar sobre parentalidade atípica, voltado para pais de crianças com deficiência ou pais que têm deficiência. Em agosto, pretendemos fazer um encontro presencial para tratar do Dia dos Pais e promover um bate-papo e trocas de experiências entre os funcionários do iFood. 

iFN – O “não falar sobre sua deficiência” é uma das barreiras a serem superadas?

Eliane – Exatamente. Existe o estigma de que a pessoa com deficiência não consegue fazer as coisas. E ou ela é tratada sempre no diminutivo, como uma coitada, ou então como heróica por conseguir fazer uma determinada tarefa. 

A gente tenta trazer essas pessoas com deficiência o mais perto possível para mostrar que não tem nada de heroísmo ou infantilidade, que a gente é capaz de fazer qualquer coisa. 

iFN – Parece ser um grupo de apoio. Ou é mais do que isso? 

Eliane – Acho que é mais do que isso. Tem, sim, a parte do apoio e da troca de experiências.Trazemos pessoas que falam abertamente sobre sua deficiência, sobre impactos e aprendizados. 

Tentamos, de alguma maneira, aproveitar a experiência de quem mostra facilidade para falar sobre suas deficiências, para engajar. Mas também atuamos como uma espécie de consultoria para quando uma pessoa com deficiência chega ao iFood, na educação e conscientização das pessoas sem deficiência.

iFN – O que vocês debatem nesses canais? Algo já foi colocado em prática?

Eliane – O iFood já olha bastante para questões de acessibilidade. Sempre que uma pessoa com deficiência é contratada, a empresa se compromete a se adequar às suas necessidades, fornecendo e adaptando os programas e os equipamentos que ela precisa usar. O time de tecnologia também oferece todo o suporte necessário. 

Foi o que aconteceu recentemente com uma pessoa com deficiência visual que começou no iFood. Já foi feita a adequação dos aplicativos para ele trabalhar de casa e agora estamos preparando o escritório para ser mais acessível, com piso tátil. Houve ainda a preparação do time que irá recebê-lo, com a disponibilização de uma cartilha. O onboarding [integração] foi um pouco diferente.  

Já nos nossos canais, encontros e conteúdos de comunicação, não falamos tanto sobre acessibilidade. Abordamos mais as deficiências, montamos cartilhas e realizamos ações informativas para as pessoas que não são deficientes. Porque quem tem deficiência já tem um conhecimento sobre o assunto. Além disso, a empresa dá suporte em acessibilidade. 

iFN – Como vocês trazem a pessoa sem deficiência para essa realidade?

Eliane – No letramento, temos cursos na plataforma iLearning [educação online para funcionários do iFood] e contamos com o time de comunicação para compartilhar nossas informações com todos os funcionários. 

Temos realizado lives, que têm um bom retorno do público com comentários do tipo: “não sabia dessas informações, vou aderir”. Ou ainda: “não sabia que esse termo era capacitismo [preconceito contra pessoas com deficiência], vou mudar meu comportamento”. 

Infelizmente, ainda é preciso muito letramento, em especial da alta gestão, que, em geral, não tem contato direto com pessoas com deficiência em seu nível hierárquico. A maioria das pessoas com deficiência está no operacional e não tem tanto contato com quem está na gestão. 

Muitas empresas acabam fazendo a contratação da pessoa com deficiência simplesmente para ter um benefício do governo ou por obrigação. É muito difícil gestores falarem “quero contratar uma pessoa com deficiência pela diversidade”. 

iFN – Qual é o sonho grande do grupo?

Eliane – Uma empresa mais diversa e inclusiva, com funcionários com as mais diferentes deficiências, para que essas pessoas possam crescer aqui dentro e chegar aos cargos de gestão. A gente quer ver pessoas com deficiência além da cota. Queremos que os gestores tenham a iniciativa de nos contratar por prazer, porque sabem que aquela pessoa vai conseguir desempenhar bem as suas funções. 

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