“A regulação do trabalho dos entregadores é prioridade em 2023”

João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood, fala sobre os temas mais importantes para a empresa nessa área

A discussão sobre novas regras para novos modelos de trabalho é um dos pilares da área de políticas públicas do iFood desde que ela foi criada, em 2019. Quase quatro anos depois, após muito diálogo com entregadores sobre a regulação do trabalho, chega a hora de colocar as propostas na mesa e construir em conjunto com o governo e com os trabalhadores. 

“Nosso foco neste ano vai ser a regulação do trabalho dos entregadores de aplicativo”, explica João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood. “Se tivermos uma participação ativa na elaboração de um marco regulatório inovador, onde ganhem os entregadores, o ambiente de negócios e a sociedade, teremos alcançado nosso sonho grande.”

Em entrevista ao iFood News, João explica por que é importante para a empresa participar da construção de políticas públicas como essa —ou de colaborar com Secretarias de Segurança Pública contra criminosos que se passam por entregadores e participar da discussão de mudanças no PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).

“Embora seja uma empresa de tecnologia, o iFood tem impacto na vida real das pessoas, das cidades. Nossa operação movimenta quase 0,5% do PIB do país, segundo dados da Fipe. Então é responsabilidade nossa buscar soluções”, conta. “Hoje, a sociedade e o mercado não aceitam que uma empresa funcione só de maneira juridicamente legal. É preciso ter legitimidade, que a sociedade reconheça que a empresa se preocupa com questões ambientais e sociais.”

Leia, a seguir, a entrevista completa com João sobre as perspectivas da área de políticas públicas em 2023 e seus principais focos de atuação.

iFN – Em 2022, quais foram os temas mais importantes para a área de políticas públicas do iFood?

João – Um projeto de longo prazo que ganhou tração em 2022 e vai ganhar ainda mais em 2023 é a regulação do trabalho em aplicativos. É um assunto que está inserido em um contexto global de novas configurações de trabalho.

O trabalho intermediado por aplicativos, hoje, tem um percentual considerável do mercado. A tecnologia permitiu que trabalhadores tivessem autonomia para realizar diversas atividades, de maneira até concomitante, e flexibilidade para transitar entre esses diversos ofícios.

Isso implica na necessidade de uma regulação diferente. O modelo de regulação das atividades não serve mais para essa nova realidade. Aqui no iFood a gente não avalia se a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] é boa ou ruim. Nós temos a convicção de que ela não serve para regular o trabalho por aplicativo.

Escutamos essa convicção dos próprios trabalhadores. Em uma série de pesquisas rodadas nos últimos três anos, eles apontam: 2 em cada 3 trabalhadores de aplicativo não querem o modelo CLT.

Para o iFood, esse é apenas o começo da discussão. Por mais que a legislação tradicional não seja compatível com os novos modelos de negócio, achamos que existe, sim, a necessidade de uma regulação diferente, que abarque essas novas características do trabalho.

Entendemos, por exemplo, que alguns direitos e benefícios existentes no sistema formal de seguridade social precisam ser garantidos aos entregadores por meio de uma regulação própria. 

iFN – Em 2023, qual será a prioridade do iFood em políticas públicas?

João – Nosso principal foco neste ano vai ser a discussão de regulação do trabalho dos entregadores. O novo governo falou sobre esse tema na campanha, desde o princípio sinaliza publicamente que vai dedicar atenção a esse assunto e já deu o pontapé inicial na discussão.

Essa agenda deve andar com prioridade e velocidade neste ano. É prioritária para o governo, e o iFood está preparado para participar. A gente vem estudando o tema há mais de três anos, participando de debates, envolvendo o nosso ecossistema para sentar à mesa de negociação e apresentar as nossas visões sobre o que seria a melhor política pública de regulação para o trabalho por meio de aplicativos.

iFN – Quais seriam os pontos importantes dessa nova regulação?

João – Essa é uma resposta que precisará ser construída em conjunto com os trabalhadores, o governo e o setor. Desde já, nos parece que a primeira premissa é a de que o modelo CLT não é adequado para nenhuma das partes. Por outro lado, outro princípio muito importante é que é preciso haver inclusão previdenciária desses trabalhadores e oferta de direitos básicos.

O iFood já concede uma série de vantagens aos entregadores, mas é necessário que haja uma regulação para que essa seja uma obrigação para todas as empresas. Por isso somos a favor da regulação.

É preciso lembrar também que representamos apenas uma parcela do mercado de entregas feitas por aplicativo. Existe outra muito maior de entregas feitas pelos próprios restaurantes e um universo de entregas de outros tipos de produto que não são comida. E existem motoristas de aplicativo e uma série de profissionais autônomos que devem ser abarcados pela regulação.

iFN – Como tem sido o diálogo do iFood com os entregadores sobre esse tema?

João – A nossa equipe de políticas públicas foi criada em 2019 justamente para se preparar para esse debate, fazendo interlocução com as novas lideranças dos entregadores. Quando se começa a discutir novas formas de trabalho e de regulação, é preciso ter representatividade. E essa é uma construção de responsabilidade dos próprios trabalhadores.  

A representatividade tradicional, por meio de sindicatos e associações, tem um papel importante, mas parece não fazer mais sentido para uma parte desses novos profissionais, que se reúnem e se organizam de forma diferente. Hoje a gente encontra essas lideranças no WhatsApp, no YouTube, nas redes sociais. 

Desde 2020 saímos a campo, viajamos pelo Brasil para identificar os líderes e criar um relacionamento com eles. Isso culminou no Fórum Nacional de Entregadores, em dezembro de 2021, no qual reunimos 23 lideranças de 14 cidades do país.

Desse evento tiramos muitos pontos positivos. As mais imediatas foram melhorias na operação e do produto do iFood. Ouvimos quais eram as principais dores dos entregadores em relação ao aplicativo, e tudo isso vem sendo aprimorado desde então.

O Fórum Nacional se derivou em fóruns regionais permanentes em 2022, como o Voz do Entregador, que reuniu mais de 600 entregadores e entregadoras, em 20 cidades. E começou ali a nossa organização com esses líderes para o debate sobre regulação, para entender o que seria interessante para eles. Essa regulação tem que ter como foco os entregadores.

Por sermos uma empresa brasileira e líder de mercado, temos uma responsabilidade com o nosso negócio, com o ecossistema de clientes, entregadores e restaurantes e com a sociedade.

O iFood está imerso na política interna de social license to operate, ou licença social para operar. Hoje, a sociedade e o mercado não aceitam que uma empresa funcione apenas de maneira juridicamente legal. É preciso ter legitimidade, para que a sociedade reconheça que a empresa é cidadã e se preocupa com questões ambientais e sociais.

iFN – Foi esse raciocínio que levou a empresa a fazer parcerias com Secretarias de Segurança Pública para ajudar a polícia a identificar criminosos que se passavam por entregadores?

João – Esse é um ótimo exemplo. No início de 2022, surgiu uma nova modalidade de crime na qual criminosos que se passavam por entregadores começaram a assaltar pessoas. A polícia prendeu vários deles e logo se percebeu que não eram entregadores do iFood.

Ainda que esse seja um problema de segurança pública, isso se conecta com a responsabilidade que o iFood tem perante a sociedade. Então colaboramos com as autoridades policiais e abrimos um diálogo para criar mecanismos que evitassem esses crimes.

A nossa solução, que foi aceita pelo Governador do Estado de São Paulo, foi resolver esse problema com tecnologia. Nós construímos e licenciamos para o governo uma API, que é basicamente um software em nuvem onde as bases do iFood e da Secretaria se cruzam, mas nenhuma parte tem acesso aos dados individuais da outra. 

Com essa API, a polícia identifica em tempo real se o suspeito é entregador cadastrado na plataforma do iFood, se fez entrega nos dias anteriores e se está em uma rota de entrega. Com respostas positivas a essas três perguntas, eliminamos 99% da suspeita inicial, e o trabalho da polícia fica mais assertivo.

Essa tecnologia foi um sucesso, e fomos procurados por diversas Secretarias de Segurança Pública, como as dos Estados do Ceará, do Rio de Janeiro, do Distrito Federal. Então estendemos o acesso a essa API para vários outros estados visando colaborar para reduzir esse problema.

Agora queremos expandir essa iniciativa e descobrir novas formas de colaborar com governos para resolver outros problemas usando a tecnologia.

iFN – O iFood também esteve envolvido nas mudanças do PAT. Como foi esse processo?

João – Essa foi uma grande entrega do time de políticas públicas do iFood em 2022. O PAT é um mercado que movimenta R$ 150 bilhões por ano e que estava fechado para poucas empresas há mais de 30 anos.

Isso se dava por uma distorção regulatória que permitia que essas empresas ocupassem o mercado impedindo a entrada da concorrência e ainda cobrassem  altas taxas dos restaurantes. E o serviço sequer estava conectado a aplicativos, só existia cartão físico.

Então participamos de grupos de estudos e fizemos um trabalho de relações intergovernamentais para sensibilizar o governo para essa distorção. Depois de uma ampla consulta pública, o governo mudou essa regulação proibindo práticas como o rebate e instituindo mecanismos como a portabilidade e o arranjo aberto, para as pessoas pagarem em qualquer maquininha.

O PAT é focado nos trabalhadores. Com essas mudanças, os preços já vêm caindo, e com a portabilidade eles podem escolher a bandeira de vales alimentação e refeição que quiserem, não mais a que os empregadores determinam. 

Essa foi uma grande vitória para os trabalhadores, para o mercado de restaurantes e para o ecossistema, porque o iFood e outras empresas podem competir de igual para igual nesse mercado.

As principais regras, como a portabilidade, entram em vigor em maio. Mas ainda há necessidade de uma regulamentação específica, e estamos participando das discussões do Ministério do Trabalho para definir essas regras.

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