“É preciso vivência com a terra para ser sustentável”

Wagner Ramalho, fundador e CEO da ONG Prato Verde Sustentável, mostra a importância das hortas para gerar renda e promover educação ambiental e alimentar

O que mais uma horta pode dar além de alimentos? Para Wagner Ramalho, fundador e CEO da ONG Prato Verde Sustentável, dela é possível colher também um tantão assim de renda e educação ambiental e alimentar. Ele mesmo é uma prova de que tudo isso acontece.

A Prato Verde Sustentável saiu do papel em 2013 como a parte prática do trabalho de conclusão do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental em que Wagner abordou a relação entre a segurança alimentar e o meio ambiente. Mas a ideia de fazer algo nessa linha vem desde a sua infância.

“Eu fui criado por uma família indígena em Presidente Prudente (SP). Mesmo tendo morado só 4 anos com eles, esse tempo foi o suficiente para entender essa relação entre as pessoas e a natureza”, relembra.

Wagner conta que na época, apesar da baixa renda da família, tudo o que era plantado na horta da casa abastecia a mesa. “Não faltava comida”, diz. Assim, o empreendedor ambiental criou, na infância, o laço de relação com a horta, de quem nunca mais se separou.

“Eu tinha de 7 para 8 anos. A primeira coisa que me deram foi um pacotinho de alho e um lugarzinho no terreno para eu plantar. Eu não tirava os olhos daquilo até brotar o primeiro alho. E depois foi mais incrível ainda porque vi toda aquela fartura. Eu pensava: ‘daquele potinho saiu tudo isso?’”, conta.

Com essa experiência, Wagner aprendeu que naquele pedacinho de terra era possível ter alimento. E mais tarde percebeu que uma vivência com a natureza, mais ou menos nos moldes da que ele teve, seria essencial para gerar nas pessoas a importância da sustentabilidade.

“Sustentabilidade é mais do que amarrar o seu lixo ou fechar a torneira de casa. Com a horta eu consigo ensinar uma pessoa a reciclar seu lixo, a captar água da chuva, a recuperar uma área degradada, a criar uma comunidade de cultivadores. Para respeitar o meio ambiente, você precisa ter essa vivência”, diz.

A horta vira negócio

Foi a partir dessa vivência que a Prato Verde Sustentável surgiu como um negócio. 

O gatilho para a ideia veio em 2008, durante a crise econômica que tomou o mundo e por aqui teve como uma das consequências a inflação do preço dos alimentos. Muita gente teve de trocar o que comia por produtos mais baratos e de menor valor nutritivo —e isso acendeu um alerta em Wagner. “Já estava escrevendo um projeto, mas não queria que ficasse só na teoria”, lembra. 

Foi só em 2013 que ele conseguiu chamar mais pessoas para botar em prática a ideia de usar hortas como motor de promoção de educação ambiental e alimentar e de geração de renda. 

A primeira horta nesse modelo surgiu no bairro de Jaçanã, na Associação Mutirão, entidade que atende pessoas em vulnerabilidade social por meio de atividades socioeducativas. Mas, Wagner conta, não foi muito fácil entrar lá. Só deu certo quando o empreendedor convenceu a comunidade de que ele e seu grupo estavam ali para montar uma horta pedagógica para as crianças e jovens atendidas pela entidade.

“A Prato Verde Sustentável é uma ONG de tecnologia de impacto socioambiental”, diz Wagner. “Aquela horta conseguiu recuperar uma área degradada. E houve uma recuperação social também. Hoje é um polo educacional ambiental, até um ponto de ecoturismo.”

A partir desse pequeno terreno, a Prato Verde Sustentável cresceu, e hoje conta com 5 hortas que produzem 18 toneladas de alimentos agroecológicos por ano, entre eles verduras, legumes, raízes e frutas. A maior parte dessas hortas tem uma área total de 3 mil m² (quase meio campo de futebol). Parte do que é produzido nas hortas comunitárias é vendido, e a outra parte é doada para instituições. Tanto a montagem como a manutenção dessas plantações não geram custos para quem recebe os alimentos.

A renda da ONG vem das hortas particulares (de quem tem um poder aquisitivo maior) e de parcerias, como a realizada com o iFood para ajudar a construir e manter três das cinco hortas escolares que a foodtech brasileira implantou em São Paulo e nas vizinhas Osasco e Ferraz de Vasconcelos.

“O iFood tinha a dor de não conseguir inserir a comunidade dentro da horta. E é nisso que a gente atua”, explica Wagner. “Era preciso que a comunidade aceitasse a horta, e não apenas chegar lá, implantar e ir embora.”

Nas escolas, a horta, além de prover alimentos que vão para a merenda, auxilia em todo o processo de aprendizado das crianças que cursam o Ensino Fundamental 1 e 2.

“A horta é multidisciplinar”, explica Wagner. “Por exemplo: é possível pedir para os alunos fazerem um poema sobre a horta, aprender sobre a história da agricultura, ensinar o processo da fotossíntese, fazer cálculos matemáticos. Tem muita coisa que dá para aprender lá.”

Semente de solidariedade

E deu certo. A aceitação tem sido boa na comunidade atendida por essas escolas. Segundo Flavia Rosso, gerente de impacto ambiental do iFood, pais e mães dos alunos dessas escolas querem que a horta seja mantida e indicaram que a alimentação das crianças melhorou depois da implantação do projeto. 

“Além da quantidade de alimentos já produzidos [17 toneladas], da melhora na alimentação, tem uma relação ambiental e uma relação com alimento que fica para o resto da vida”, avalia Flavia, corroborando o que Wagner e a Prato Verde Sustentável tentam fazer.

A parceria com o iFood deu, nas palavras de Wagner, uma energia a mais para investir na própria ONG e assim ampliar a sua atuação. A Prato Verde Sustentável em breve vai ganhar uma cozinha industrial para começar a preparar produtos alimentícios a partir do que é colhido e capacitar a população local para aprender a fazer esses produtos e assim ampliar a sua renda.

E como é que o Wagner, esse amante das hortas, se sente? “Como uma pessoa que realizou sonhos. Sonhos que não são só meus, mas de outras tantas pessoas, que podem se alimentar melhor, comer bem e viver em um ambiente que, embora tenha pobreza, não tem miséria, elas não passam necessidade. Sinto que já deixei minha semente e que isso vai continuar.”

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