Evento debate inclusão de trabalhadores de apps na Previdência

Em evento, Amobitec mostra como trabalhadores de apps estão sendo incluídos na Previdência no mundo e lança carta de princípios para o Brasil –saiba como foi.

Seminário organizado pela Amobitec mostra propostas de regulação do trabalho em plataformas para a Previdência e tem lançamento de carta de princípios para o Brasil

Qual é a melhor forma de incluir na Previdência Social os entregadores e motoristas que trabalham em plataformas digitais —e que já são 1,4 milhão de trabalhadores em todo o país? Esse foi o tema do debate promovido durante o seminário “Plataformas Digitais: O Futuro da Proteção Social no Trabalho Digital”, realizado em 27 de abril pela Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) em parceria com a Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (EPPG-FGV).

O evento reuniu algumas das empresas associadas à Amobitec —como iFood e Uber—, assim como parlamentares e especialistas internacionais para discutir esse tema e encontrar soluções para incluir esses profissionais no sistema de seguridade social.

No primeiro painel, pela manhã, Felipe Daud, head de políticas públicas do iFood, falou sobre o mercado de trabalho nas plataformas e trouxe dados para mostrar a necessidade de encontrar uma solução acessível para incluir os trabalhadores de aplicativos na Previdência Social.

“Hoje, 71% dos trabalhadores estão nas plataformas porque gostam da flexibilidade de horários e podem trabalhar para várias empresas. O problema é que 43% deles não fazem nenhuma contribuição para a Previdência”, explicou, citando números de uma pesquisa realizada pelo Datafolha para a Uber.

Ele apontou que a solução do MEI (Microempreendedor Individual) não tem sido eficiente para a inclusão previdenciária desses profissionais. “Apenas 16% dos motoristas e entregadores optam pelo MEI. No iFood, apenas 10% estão contribuindo”, afirma Felipe. “Muitos conhecem o MEI, mas ele tem baixa adesão e adimplência porque a renda dos trabalhadores é variável.”

A solução, para ele, é pensar em um modelo mais simples e menos custoso para os trabalhadores —fazendo a retenção na fonte e a um valor menor que o do MEI, “como sugere o iFood em sua proposta de inclusão previdenciária. Hoje temos novas formas de trabalho, por isso queremos discutir uma política pública que traga mais proteção social a esses trabalhadores”, finalizou. 

Na mesa, o deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ) concordou com a necessidade de atualizar a legislação brasileira para atender aos novos modelos de trabalho. “É preciso pensar no modelo que queremos para 2022 e num contexto onde as pessoas têm que ter mais direito de decidir sobre suas vidas”, disse.

Regulação do trabalho em plataformas no mundo

Na segunda mesa, à tarde, Felipe Simonsohn, diretor para assuntos governamentais da Didi Cone Sul, e Miriam Chaum, diretora de políticas públicas da Uber, mostraram como a regulamentação do trabalho em plataformas está sendo realizada pelo mundo.

Os dois especialistas trouxeram exemplos de como diferentes países estão conciliando a flexibilidade de trabalho com a proteção trazida pela seguridade social. “O trabalho em plataformas é atraente porque oferece uma possibilidade de acesso ao mercado. No Brasil, 81% dos novos trabalhadores de plataformas disseram que essa era uma fonte importante ou essencial de renda na pandemia”, afirma Miriam. 

Ela acrescenta que a flexibilidade e autonomia são outros importantes atrativos da gig economy, mas também são fonte de estresse e preocupação para muitos profissionais, devido à incerteza dos ganhos. 

“A crise da Covid-19 mostrou a necessidade de proteção de motoristas e entregadores. Em alguns países, a resposta tem sido tentar reclassificar os trabalhadores como empregados. A questão não é mudar a categoria, e sim melhorar a qualidade do trabalho. A maioria deles não quer ter horários rígidos de trabalho, e sim proteção à saúde, por exemplo”, completa.

Ela trouxe alguns exemplos: a própria Uber oferece seguros para 2 milhões de motoristas no mundo. Já a Índia incorporou os trabalhadores da gig economy em seu sistema de seguridade social (com acesso a benefícios como creche), um modelo também adotado na França e na Califórnia. Em Nova York, mostrou Miriam, foi estabelecido um fundo que recolhe 3% das taxas pagas a motoristas e que, em troca, oferece benefícios de saúde e educação.

A nova legislação do Chile

“Garantir a independência dos trabalhadores e a seguridade social é possível”, concordou Felipe, que falou sobre a regulação do trabalho em plataformas aprovada no Chile —uma das primeiras em países da América do Sul—, que deve entrar em vigência em setembro de 2022. “Mas, como estamos frente a algo novo, é importante que a solução também seja inovadora.”

A solução, no Chile, foi elaborar uma política pública baseada em um grande acordo político que incluiu as empresas, as associações de trabalhadores, os especialistas (como advogados trabalhistas e economistas) e políticos de vários partidos. O modelo aprovado no país é híbrido e permite a contratação formal (como na CLT) ou como autônomo, sendo que nessa segunda opção os trabalhadores têm acesso à seguridade social. 

“É preciso escutar, sem viés,os trabalhadores. A regulação deve vir de um acordo político transversal”, diz Felipe. “Quando os motoristas e entregadores foram ouvidos, a maioria disse que preferia manter sua autonomia e trabalhar para mais de um app.”

Ele também mencionou um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostrando que, no Chile, 83% dos trabalhadores de plataformas digitais concordavam que sua atividade fosse classificada como autônoma. “Hoje temos uma lei que formaliza essa atividade. E os trabalhadores ganham os benefícios de seguridade social.”

Carta de princípios da Amobitec

Na parte final do evento, a Amobitec lançou uma carta de princípios do setor em defesa da inclusão de motoristas e entregadores de aplicativos na Previdência Social, reforçando a necessidade de superar a burocracia e de envolver as empresas para garantir a regularidade das contribuições sem trazer aumento de custos para os profissionais ou para os consumidores.

“Estamos debatendo o tema desde 2021 para construir pontos comuns. Decidimos lançar uma carta de princípios para tornar público o compromisso de colaborar na construção de uma legislação que promova efetivamente a proteção social dos profissionais parceiros das plataformas”, afirmou Aline Viotto, diretora da Amobitec. “A carta não é o fim do processo, e sim o início de uma nova etapa do debate público. É um convite a todos e todas para se engajar e opinar sobre a proposta.”

Aline também resumiu os 4 principais pontos da carta:

  • A proposta de contribuição à Previdência Social não deve representar aumento significativo de custos para motoristas e entregadores;
  • As plataformas irão assumir parte do valor de contribuição dos parceiros;
  • As plataformas devem fazer o recolhimento e repasse dos recursos à Previdência para facilitar o processo e garantir a continuidade das contribuições;
  • A criação do sistema não deve representar aumento de custos para o consumidor final.

Na sequência, a iniciativa foi saudada pelo deputado federal Rodrigo Coelho (Podemos-SC). “Essa será a maior inclusão previdenciária da história, depois da inclusão dos trabalhadores rurais e dos MEIs”, disse. “Se não incluirmos agora esses trabalhadores, no futuro eles terão de recorrer a benefícios sociais do governo, como o Benefício da Prestação Continuada [salário mínimo concedido a maiores de 65 anos].”

A deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) concordou. “É preciso avançar na discussão sobre como dar garantias para esses trabalhadores. Não podemos trazer uma solução tradicional que inviabilize novos mercados.”

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