O que é cultura de doação e por que ela ganha força no Brasil

Você sabe o que é a cultura de doação? Este artigo explica qual é sua diferença para o assistencialismo e por que essa ideia vem ganhando força no Brasil.

Brasileiros começam a enxergar o hábito de fazer doações de maneira mais positiva (e estão quebrando o tabu de falar sobre isso)

A Covid-19 agravou a insegurança alimentar no Brasil. Em 2021, 9% dos brasileiros estavam passando fome —e esse quadro aumentou 19% desde 2020 nos domicílios em que um dos moradores perdeu o emprego ou se endividou por causa da pandemia, segundo a pesquisa “Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil“, realizada pela Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Esse quadro sensibiliza os brasileiros para o problema e mobiliza muitas pessoas e empresas a fazer doações. “Essa é uma solução extremamente necessária neste momento, porque as pessoas estão passando fome agora”, explica Láislla de Gouveia, coordenadora de projetos socioambientais no iFood (que desde janeiro de 2020 tem uma plataforma de doação dentro do app).

Uma crise como a causada pela pandemia pode servir também como uma oportunidade para rever valores e incentivar uma cultura de doação, que é diferente do assistencialismo, explica Joana Mortari, diretora da Associação Acorde e articuladora do Movimento por uma Cultura de Doação. “O Brasil vem de uma cultura assistencialista na qual uma pessoa em lugar de poder entrega algo com a intenção de manter o outro, mais vulnerável, naquele lugar do agradecimento. E, com isso, pode criar uma cultura de dependência.”

A cultura de doação, por outro lado, seria mais horizontal. “Em momentos de crise como este, a gente se conecta com os outros. A cultura de doação é aquela em que as pessoas entendem que doar faz sentido para elas como cidadãs”, completa. “Doar comida, por exemplo, não é uma ajuda. É um cuidado necessário agora, e existem pessoas que entendem que podem contribuir para eliminar essa necessidade de outras.”

Em momentos de crise, as doações de caráter assistencialistas acabam ganhando mais visibilidade. Mas, dentro da cultura de doação, elas coexistem com as ações mais estratégicas para combater a causa estrutural do problema. No combate à fome, por exemplo, seria necessário também combater o desperdício, como no Todos à Mesa. “É uma ação que apoia a estruturação de uma grande rede humanitária de redistribuição de alimentos. Ainda dá para melhorar muito isso no Brasil”, afirma Láislla.

Menos dinheiro, mais solidariedade

Nos últimos anos, as crises sociais e econômicas têm feito cair o número de doadores no Brasil. Em 2020, 66% dos brasileiros haviam feito algum tipo de doação, contra 77% em 2015, segundo a Pesquisa Doação Brasil 2020. Essa queda aconteceu porque as pessoas mais pobres pararam de doar, ao passo que as mais ricas passaram a doar mais do que em 2015.

Mesmo assim, a cultura da doação vem se fortalecendo, aponta a pesquisa. Mais de 80% dos brasileiros acham que o ato de doar faz diferença, e o percentual de pessoas que acreditam que a doação faz bem para o doador aumentou de 81% para 91% entre 2015 e 2020. E nada de fazer segredo: a concordância com a ideia de que os doadores não devem revelar o que fazem caiu de 84% para 69% nesse período.

“A percepção das pessoas vem mudando. Mais gente reconhece, hoje, que doar é positivo. Esse movimento de nos reconhecermos como cidadãos doadores é importante porque, na nossa cultura, falar que doa não é bem-visto”, diz Joana. “A cultura de doação traz a consciência de que fazemos parte de um processo de construção do país. As pessoas doam porque se entendem como parte importante desse desenvolvimento. Para o Brasil ser o que tem potencial para ser, precisamos de uma sociedade que não só seja solidária, mas também doadora.”

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