Amanda Costa: “Falar de clima é também lutar por justiça social”

Em entrevista ao iFood News, a jovem embaixadora da ONU Amanda da Cruz Costa explica como o ativismo ambiental é um caminho de transformação social.

Fundadora do Perifa Sustentável mostra como o ativismo ambiental é um caminho para a transformação social

 

Em 2017, Amanda da Cruz Costa, nascida e crescida na Vila Brasilândia, em São Paulo (SP), ganhou uma bolsa para representar a juventude brasileira na COP-23 (Conferência da ONU sobre Mudança do Clima), realizada em Bonn, na Alemanha. “Eu pensava: será que eu posso entrar nessa discussão sobre as mudanças climáticas?”, lembra a jovem, que na época cursava o segundo ano da faculdade de Relações Internacionais.

A partir dali ela acelerou seu desenvolvimento como ativista ambiental e, em 2021, voltou a uma COP —desta vez na condição de jovem embaixadora da ONU e delegada do Brasil no G20 Youth Summit. Hoje, Amanda é diretora executiva da ONG que fundou, o Instituto Perifa Sustentável, e faz seu discurso ambiental reverberar como Linkedin Top Voice e liderança da Forbes Under 30.

Apesar do cenário atual, ela acredita no potencial do Brasil para se tornar um exemplo em energias renováveis e une forças ao movimento negro que luta contra o racismo ambiental —tema sobre o qual apresentou um TEDx Talks.

A seguir, ela conta ao iFood News como “uma mulher preta da quebrada” entrou na conversa com os tomadores de decisão no campo do meio ambiente e como podemos agir desde já para construir um futuro melhor.

Como você começou a ser uma ativista do clima?

Essa história começa em 2017, quando eu estava na ACM (Associação Cristã de Moços) e recebi uma bolsa para representar a juventude brasileira na COP-23. Eu pensava: será que eu posso entrar nessas discussões sobre as mudanças climáticas? Uma professora me incentivou a ir e me orientou para desenvolver um projeto de iniciação científica.

Fui para a conferência, mas fiquei muito incomodada. Eu não via pessoas parecidas comigo naquele ambiente: não via gente jovem, gente preta nem mulheres de periferia. Se nós somos as pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas, por que não estávamos na COP falando sobre como essa crise afeta os territórios mais vulneráveis?

No evento, conheci a ONG de jovens Engaja Mundo, que forma jovens para ocupar espaços junto aos tomadores de decisão e transformar a realidade. E percebi que não precisava mudar quem eu sou, nem virar uma pessoa de terninho, falando em jargões climáticos, para ter legitimidade. Podia falar com propriedade e assertividade sorrindo, porque para mim é natural falar assim.

Como surgiu o Perifa Sustentável?

Surgiu em 2019, quando eu estava no programa United People Global, que seleciona jovens do hemisfério sul com ideias para transformar suas realidades. A ideia veio de uma dor, a de não me ver representada nos espaços de tomada de decisão.

Quando comecei o diálogo sobre a crise climática com a galera do meu bairro, eles acharam que falar disso era algo distante da realidade da quebrada, que o mais importante era falar da alta mortalidade dos jovens negros no Brasil, uma morte a cada 23 minutos, na época. O desafio era mostrar que os assuntos estão conectados, que falar de clima é também lutar por justiça social.

Então o Perifa Sustentável nasceu para possibilitar o diálogo das pessoas que estão na base com os tomadores de decisão internacionais. Porque é da base que vai vir a transformação. Se a base não tomar esses espaços, a transformação não vai acontecer, e quem não vive a nossa realidade vai continuar tomando decisões por nós.

Como o Perifa Sustentável quer levar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a periferia do Brasil?

Definimos três pontos principais: mobilizar a comunidade para agir e transformar seu território, formar jovens ativistas pelo clima e construir uma rede ativista para desenvolver uma nova agenda de sustentabilidade para o Brasil.

Minha geração está sofrendo com a ecoansiedade porque, ao olhar para o cenário atual, a gente não vê possibilidades para o futuro. É preciso transformar essa visão e começar a construir, em rede, o futuro que a gente quer.

Eu vejo o Brasil por outra perspectiva. Temos muito potencial: a Amazônia, recursos hídricos, energia solar. Se a gente focar no desenvolvimento sustentável, poderemos fazer o Brasil virar exemplo para outros países.

O que seria essa nova agenda de sustentabilidade para o Brasil?

É uma proposta que coloca as pessoas mais vulneráveis no debate. As políticas públicas são feitas por pessoas que contemplam uma parcela da população. Nossos políticos não vão legislar para a mulher preta da quebrada porque eles não conhecem essa realidade.

Uma nova agenda de sustentabilidade tem que se despir do olhar colonizado, do racismo ambiental, e entender que há possibilidade de construção em conjunto, valorizando os saberes tradicionais de quem está nos territórios, ou seja, a população periférica, os quilombolas e os indígenas.

O que é o racismo ambiental?

Por ser estrutural, o racismo está impregnado nas estruturas da nossa sociedade e transborda para todas as áreas: a social, a econômica e a ambiental. As pessoas mais prejudicadas pelas consequências da crise climática são pessoas negras, as mais pobres — e elas são as que menos contribuem para o aquecimento global.

Estamos vivendo uma crise climática, mas as consequências dessa crise não são sentidas da mesma forma por pessoas pretas e brancas. Isso é o racismo ambiental. Um exemplo é o que aconteceu com as chuvas na Bahia no final de 2021. Desastres ambientais, como inundações, impactam mais as pessoas pretas nas periferias. E essas populações sofrem mais com a falta de saneamento básico ou de acesso a água limpa.

Você saiu otimista da COP-26?

Senti um mix de sensações. Fiquei muito feliz porque foi a primeira participação da Coalizão Negra por Direitos em uma COP e colocamos nosso manifesto. Para mim, essa evolução na representação em discussões climáticas foi emocionante, vejo que a transformação está acontecendo.

Mas fiquei frustrada com o acordo que foi feito. Acho que houve pouco comprometimento dos países com a real justiça climática. Ainda assim, acredito que há possibilidade de ação para que esse debate climático se transforme em novas políticas ambientais.

Que mudanças os jovens querem ver nos líderes do G20?

O que a juventude global quer é que eles aumentem os esforços para promover a justiça climática com foco nos grupos vulneráveis e estabeleçam parcerias intergeracionais e intersetoriais para acelerar a transição para uma matriz energética 50% renovável até 2025.

Outro ponto importante é incluir a educação ambiental no currículo das escolas primárias até 2025. As nossas futuras gerações precisam crescer pensando em estratégias e soluções para os desafios relacionados ao clima desde a educação básica, como acontece no hemisfério norte.

Qual é o mundo que você sonha para o futuro?

Eu sonho com um futuro decolonizado, antirracista, onde as pessoas pretas sejam escutadas e estejam em lugares de construção, de liderança, de transformação. O Brasil está começando a dar visibilidade para as pessoas pretas, mas isso não basta: nós queremos poder de mudança.

A gente conquista esse poder ocupando lugares de decisão. Então o mundo que eu espero para o futuro é um mundo plural, diverso, onde povos que foram historicamente silenciados e excluídos vão ter protagonismo e liderança.

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