“Estamos quebrando os tabus sobre os padrões dos corpos”

Bruno Alves, líder do comitê Corpo Livre, do Pólen, fala sobre como combater a gordofobia e a transfobia no ambiente de trabalho

Criado em 2021, o Corpo Livre, que combate a gordofobia e a transfobia no ambiente de trabalho, é o mais recente comitê do Pólen, que reúne grupos formados por colaboradores do iFood para discutir questões ligadas a mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+ e com deficiência e, claro, ao corpo livre, tema que logo despertou o interesse de Bruno Alves, analista de negócios do iFood, atualmente na liderança do comitê que leva o mesmo nome.

“Justamente por eu ser uma pessoa trans e gorda, essa causa é muito importante para mim, por isso eu queria ter uma colaboração bem ativa nessas conversas”, conta ele. Hoje, Bruno é o líder do comitê Corpo Livre, que realiza encontros mensais para falar de temas como a gordofobia e a transfobia. A seguir, ele conta ao iFood News como essas discussões estão trazendo melhorias para o bem-estar das pessoas com seu corpo, no ambiente de trabalho ou fora dele.

iFN – Como surgiu o Corpo Livre no iFood?

Bruno – Em 2020, viralizou um meme do “parkour de Taubaté” por causa de um vídeo que mostrava meninas gordas fazendo parkour [esporte em que as pessoas manejam o corpo para transpor obstáculos na cidade]. O corpo gordo tem as suas particularidades, você pode fazer tudo, mas talvez não com a mesma agilidade de um corpo magro. 

As pessoas começaram a zoar esse vídeo e isso chegou ao canal do Slack onde estão todos os FoodLovers. Só que alguns colaboradores começaram a se sentir incomodados. O vídeo mostra um corpo gordo se movimentando, não tinha por que ficar criticando. Então, procuraram o Pólen para explicar que não estavam se sentindo bem com os comentários. 

Aí, surgiu a ideia de criar um comitê do corpo livre porque naquele momento entendemos o quanto era importante levar o tema para dentro da empresa. A mensagem do grupo para todos é que as pessoas podem se sentir livres e à vontade com os corpos que têm, com as roupas que vestem, podem ser como bem entenderem, porque aqui todos são respeitados.

iFN – O que faz o comitê?

Bruno – A gente mantém encontros mensais, que são uma roda de conversa sobre o que as pessoas estão sentindo, e elas falam se tem algo que está incomodando e o que acham que pode melhorar na empresa. Por enquanto, essa reunião está sendo online, mas eu quero muito fazer presencial.

O Corpo Livre é um coletivo. Eu sou líder, mas não sou nada sem a galera que frequenta os encontros, porque são as pessoas que trazem os temas para o debate. Nós vamos abordar, juntos, temas importantes e que podemos usar dentro e fora do iFood.

Este ano, estamos trabalhando com as interseccionalidades, porque não tem como falar de corpo sem falar de ser mulher, ser negro, ser trans, ter uma deficiência, por exemplo. Em março, mês das mulheres, propusemos falar dos corpos de mulheres negras. Esse tema muitas vezes é um tabu, porque os corpos dessas mulheres são objetificados e hipersexualizados, então é importante falarmos abertamente sobre isso. 

O Corpo Livre pega assuntos que estão quentes no momento e leva para as pessoas discutirem e refletirem. No Dia dos Pais, falamos sobre pais que são gordos ou têm filhos gordos e de como sofrem gordofobia. E quando apareceram na mídia casos de mulheres e crianças que sofreram abuso sexual, aproveitamos para falar de como educar as crianças sobre seu corpo, onde pode tocar e one não se deve deixar tocar, tudo de forma respeitosa. 

iFN – Quais são os temas mais importantes para vocês hoje?

Bruno – O assunto que mais incomoda mesmo é a gordofobia. A pessoa gorda passa por constrangimentos desde o momento em que sai de casa, porque a sociedade não está preparada para ela. No transporte público, a catraca é menor. Na empresa, a cadeira é pequena. Você vai ao médico e ele fala que seu problema de saúde é porque você é gordo.

Algo que apareceu recentemente nas nossas discussões foi a transfobia. As pessoas trans da empresa têm me procurado bastante, por eu ser trans também. Intencionalmente ou não, sofremos um pouco mais com isso. 

Queremos mostrar que existem vários tipos de corpos trans e que todos eles têm que ser respeitados. Estamos aqui para quebrar os tabus sobre os padrões dos corpos. Não queremos esse padrão normativo que a sociedade impõe. Buscamos criar um ambiente no qual as pessoas tenham segurança psicológica e a infraestrutura necessária para trabalhar, se sintam bem-vindas. 

No comitê, o que eu mais quero é que as pessoas se sintam à vontade para conversar sobre qualquer coisa, não só comigo, mas umas com as outras. E que saibam que não estão sozinhas. Estamos juntos aqui. 

iFN – Como deve ser o ambiente de trabalho para que todos se sintam à vontade com seus corpos?

Bruno – Para mim, o principal é o respeito. Ninguém precisa aceitar nada, o que as pessoas precisam é respeitar. Quando líderes ou gestores contratam uma pessoa gorda, devem  ter respeito e entender quais são suas necessidades, levando em conta que existem vários tipos de pessoas gordas.

No trabalho, não tem que ter piadas sobre os corpos das pessoas. Isso não é piada, é gordofobia. O respeito é muito isso: o carinho e o cuidado. Quem sente esse cuidado, na verdade, vai atrás do conhecimento, e esse conhecimento acaba com a ignorância sobre esse assunto. E assim as pessoas se sentem à vontade no ambiente de trabalho.

iFN – De que forma as discussões do Corpo Livre levam a mudanças na empresa?

Bruno – Dos encontros já nasceram muitas sugestões de melhoria para a empresa. Um exemplo: o iFood dá camisa para os FoodLovers. Antes, a numeração ia do tamanho P ao G. Algumas pessoas trouxeram para nós a informação de que usavam tamanhos maiores, então levamos essa questão adiante, para o time de Facilities. Hoje os colaboradores podem escolher tamanhos maiores do que o G. 

Além disso, se recebemos alguma denúncia de gordofobia, direcionamos para o time correto, porque nós não somos parte do compliance da empresa. Também pegamos o tema que a pessoa trouxe e abordamos no comitê, para que ela se sinta acolhida ali. As pessoas precisam saber que, se elas sofrerem algum tipo de discriminação, isso vai ter uma consequência, como uma denúncia ou um treinamento do time sobre diversidade e inclusão.

iFN – Como vocês falam de gordofobia e transfobia com os demais colaboradores?

Bruno – Nós, líderes do Pólen, nos unimos muito. Escrevemos sobre os nossos assuntos e compartilhamos nos canais dos outros comitês. Eu sou do time de Logística, então gosto de sempre levar essas questões para a minha equipe também.

Existem vários FoodLvers aliados no iFood, não são só as pessoas gordas e trans que participam das discussões. A pauta de diversidade está em alta hoje, então a galera quer se engajar mesmo. Há muitos líderes que participam do encontro (coordenadores, gestores), que pegam o material que nós construímos e também levam para seus times. 

Além disso, as pessoas novas no iFood recebem as informações sobre o Pólen no onboarding. Como queremos engajar o máximo de pessoas, essa ajuda das lideranças é importante para que todos conheçam nosso comitê.

iFN – Em geral, o que essas pessoas querem saber?

Bruno – Eu recebo muitas mensagens no privado com dúvidas, e muitas delas são de líderes. Eu vejo que a liderança do iFood está procurando ter um time mais diverso, não quer só contratar uma pessoa gorda e, sim, entender como essa pessoa pode se sentir confortável dentro da sua equipe. 

Existe uma preocupação desses líderes de levar educação para seus times, falar das piadas que não podem ser feitas, dar estrutura para que a pessoa se sinta bem fazendo o trabalho dela. As lideranças nos procuram para ajudar com isso, mesmo que não façam parte dos grupos minorizados. Hoje, o time de Diversidade e Inclusão já pode orientar muito sobre isso e temos cursos na plataforma para quem quer passar por esse letramento.

iFN – Qual é a importância de ter aliados nessa causa?

Bruno – Somos muito vistos como “ativistas mimimi”, né? Infelizmente, quem não está em um nicho de diversidade tem muito mais voz na sociedade do que nós. Então, essas pessoas têm um pel fundamental: dar voz às nossas questões e abrir o caminho para que possamos prosseguir.

Eu sempre falo que fico cansado de tanto falar de gordofobia, de transfobia. Não quero falar só disso, sabe? Às vezes eu só desejo conversar sobre outras coisas, criar amizades. A importância da participação de quem não faz parte desses grupos é levar informações justamente para as pessoas que têm mais preconceito. 

A partir do momento em que outras pessoas começam a levar esses temas adiante, a furar as bolhas, podemos descansar mais a cabeça, sem a obrigação de educar os outros o tempo inteiro. Se muitos começarem a dar voz inicial às questões do corpo livre, vamos conseguir ter respeito e viver melhor, falando de outras coisas.

iFN – Como uma pessoa aliada pode agir se ouvir um comentário gordofóbico ou transfóbico?

Bruno – Nem sempre, no trabalho, você precisa começar uma briga, uma discussão nesse caso. O que a gente sempre pede é que, se a pessoa presenciou um comentário gordofóbico, mesmo que seja em tom de piada —e nós sabemos que esse tema não é piada—, que descubra quem é a pessoa, em que time ela trabalha e traga isso para o Corpo Livre, porque vamos tentar levar treinamento e letramento para aquele time.

Eu trabalho muito conhecimento para que essas situações não aconteçam mais. Acho que quanto mais a gente falar e educar, menos teremos gordofobia e transfobia. É claro que tem muitas pessoas que fazem isso com intenção. Mas tem muita gente que faz por falta de conhecimento.  

iFN – Qual é a mudança que você quer ver na sociedade?

Bruno – Que a gente consiga viver em paz, sem julgamento. Fora da empresa, eu sofri um caso de transfobia recentemente e foi muito ruim. Eu só quero viver sem ter que ficar me explicando ou passando por constrangimentos. Meu sonho grande, para todo mundo, é viver em um mundo mais igual.

Penso todo dia em uma frase que escutei faz pouco tempo: “a gente luta por uma coisa que a gente nunca viveu”. É verdade. A gente nunca viveu em uma sociedade sem preconceito. Então eu luto muito para que esse dia chegue. 

Não sei se eu vou chegar a ver isso. Mas talvez as minhas sobrinhas possam ser mulheres livres para usar a roupa que quiserem sem ter medo. É por esse mundo que eu luto: um lugar onde a gente seja livre para ser quem quiser, amar quem quiser sem medo ou constrangimento. Viver, só viver.

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